sábado, 8 de novembro de 2008
Não me lembras o céu
Hoje as nuvens conseguiram separar-se um pouco umas das outras. Formaram-se letras no céu, desenhadas por lutadores raios de sol que a muito custo se fizeram ver. Por breves momentos, o Sol ganhou à teimosia do céu e conseguiu, finalmente, acariciar suavemente uma lisboeta saudosa da sua luz.
Durante as últimas duas semanas, nada mais se estendera senão um tecto impenetrável sobre toda a cidade de Berlim. Não encontrava sombras que testemunhassem a presença das pessoas e dos magníficos edifícios das grandes praças ou das ruas estreitas. Só tinha as folhas outonais, perdidas nos passeios, para me relembrar as cores quentes da luz que deveria encontrar no céu.
Às vezes sentia nos ombros a pressão deste céu cinzento, um peso que, apesar de tudo, não parece entristecer completamente estes lugares. A cidade continua linda, só não é amada. As catedrais parecem querer erguer-se aos céus, como uma criança que se estica puxando as saias da mãe e não compreende por que não é merecedora da sua atenção.
Nunca havia sentido este desejo de subitamente parar na rua e, com a mesma vontade que existiu há dezanove anos nesta mesma cidade, derrubar este muro feito de densas nuvens que não me deixavam vislumbrar ínfimas partículas de um azul longínquo.
Submetida à minha incapacidade de abrir esta janela imensa, que não diferencia claramente a noite do dia, surge-me à memória a sua definição cantada “Não me lembras o céu / Nem nada que se pareça / Não me lembras a Lua / Nem nada que se escureça”*.
Mas hoje as nuvens cederam. E por breves instantes pude idealizar o brilho das coisas, o seu sorriso luminoso, num momento único. Quase perfeito.