sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Prólogo

Entrei no avião. Já atrasada e sem lugares reservados no meu bilhete de companhia low cost, preocupei-me em arranjar um lugar disponível o mais rapidamente possível.

Passei os olhos, então, pelas pessoas, pelos lugares vazios, pelos espaços intermédios. Reparei num jovem adulto, com imagem de jovem mais pelo boné que levava do que pela barba que tinha. Abanando a cabeça ao som de uma música que ninguém ouvia, mostrava ser um amante do rock, quem sabe até se não mesmo um artista desse ramo.

Reconheci o senhor da primeira fila, encostado à janela. Estava agora sentado, com o ar duro com que o vira da primeira vez, e olhava pela janela que nada mais mostrava senão a sinalética indecifrável das pistas do aeroporto. Reconheci-o de o ter visto há pouco, na zona restrita dos check-in, sentado também, mas numa cadeira de rodas empurrada pela hospedeira da companhia.

Acabei por me sentar ao lado de uma mulher timidamente simpática, de um cabelo loiro encaracolado, embrulhado em si mesmo. Era mãe, mas não de alguém por nascer, a criança devia ter já os seus três anos de idade. Um menino adorável com o cabelo loiro imaculado e uns olhos azuis turquesa muito grandes e curiosos.

...

Se eu quisesse tê-los-ia encontrado a todos, ali, comigo, no avião. Não entrou mais nenhum passageiro depois de mim, nenhum se atrasou mais do que eu... em rigor, isso faria de mim uma ‘Hurley’, aquele que ‘estava num dia de sorte’ e que trazia consigo o peso de uns números condenados. Capacidade incrível a desses números de fazer pensar estar em si a razão de tantas desgraças.

Como ele, também eu não sei para onde vou ou onde estarei quando chegar, embora conheça as coordenadas. Também dependo da sorte e do azar, mesmo não sendo passiva com a vida. E o azar e a sorte acontecem em paralelo com as consequências de decisões, tornando-se em momentos que vão compondo a nossa vida. Entre estes momentos, entre outros ‘acasos’, vamos escolhendo ou, sem querer, conhecendo vários destinos, situações e lugares.

Um destino, um destino qualquer, pode ser a nossa ilha. Um espaço e um tempo reais que nos fazem explorar e superar o nosso próprio imaginário. No ‘eu’ mais imperturbável ou no ‘eu’ mais inseguro é depositada uma dúvida. São precisas as oportunidades para se decidir e os momentos em que a sorte falará mais alto.

Apesar de atrasada, cheguei a tempo do avião que me levará para um lugar que não conheço. Ainda bem que hoje é o meu dia de sorte.

3 comentários:

Joana disse...

Reli o texto, afinal não fazia assim tanta falta nunca ter visto Lost...

Está muito giro. Espero poder continuar a acompanhar esta vida de Berlim através dos teus olhos, sempre atentos à alma das coisas, dos sítios, das pessoas.Passas por ser uma pessoa distraída,"na lua" diziam as tuas colegas de equipa de andebol, tu estás é atenta a outras coisas, se calhar bem mais interessantes!

Anónimo disse...

DESPEDIDA
O aeroporto é um lugar estranho! Tanta gente, tantos passos, tantas viagens, tantos sonhos! Aos dois meses de idade ela foi de avião nos meus sonhos para França. Agora, quase vinte e dois anos depois, parte sozinha talvez à procura de uma “ilha” ou de um lugar no seu mundo.
A mãe não se cansa dos abraços e dos beijos. Ela progride, dificilmente, recuando com a ajuda da amiga e dizendo adeus para consolo da mãe, do pai e do namorado.
Eu estava lá e pude ver as lágrimas e ouvir os silêncios que nos acompanharam até casa.
Tudo isto foi antes da Camila entrar no avião.

Anónimo disse...

O gordinho foi o úlitmo, no lost, a entrar no avião?